falsa cegueira.

te vi hoje.

 

te vi naquela escova de dentes,

na mala vermelha,

na 43ª página do meu diário.

 

te vi hoje.

 

te vi nas fotos reveladas,

no travesseiro baixo,

no edredon listrado.

 

te vi e não te senti.

deu saudade e medo,

deu frio.

 

deu você em tudo.

Capítulo 09.

***

“- Eu perguntei em que poderia ajudar – disse ela, com uma voz fina e áspera que ele mal conseguia ouvir.

– É… eu vim pedir o seu conselho – respondeu ele, sentindo-se um pouco ridículo.

[…]

Após uma ou duas horas de silêncio não-comunicativo, a senhora decidiu que os painéis solares já haviam absorvido luz o suficiente para fazer funcionar a máquina de fotocópias e desapareceu caverna adentro para procurar alguma coisa. Finalmente, reapareceu com algumas remas de papel e as inseriu na máquina.

Entregou as cópias para Arthur.

– Estes são, ah, estes são seus conselhos? – perguntou Arthur, folheando as páginas, indeciso.

– Não – respondeu ela. – Essa é a história da minha vida. Sabe, a qualidade de qualquer conselho que uma pessoa pode dar deve ser avaliada de acordo com a qualidade da vida que essa pessoa levou. Ao examinar este documento, você vai notar que eu sublinhei todas as principais decisões que precisei tomar, para destacá-las. Estão em ordem alfabética e tem um índice remissivo. Entendeu? Então, sugiro apenas que você tome decisões contrárias às que tomei, porque assim você talvez não termine sua vida… – ela fez uma pausa e encheu os pulmões para um bom grito – em uma caverna velha e fedorenta como esta!”

Coleção “O Guia do Mochileiro das Galáxias – Praticamente Inofensiva”, Douglas Adams. Volume cinco da trilogia de cinco.

Ensaio sobre o que falar.

E já tem um tempo que tô olhando com fome pra esse pedaço branco de tela e querendo escrever sobre um monte de coisas que, na verdade, eu não sei o que são. Passo o dia lendo e ouvindo tanta informação, que às vezes me perco e não consigo filtrar tudo o que entra na minha cabeça.

Eu queria falar sobre política um dia, mas não entendo muito disso. Tenho uma visão a respeito de alguns pontos (como a educação, a saúde, o trabalho…), mas nada completamente formado.

Eu queria falar sobre moda, mas também não entendo muito disso. Não sei quais são as cores do próximo verão, os sapatos que deveríamos estar usando, nem que artigo não pode faltar no nosso guarda-roupas. Aliás, pra falar bem a verdade, eu não quero nem saber!

Eu queria falar sobre filosofia. Leio absurdamente muitos livros relacionados, que instigam, que te dão vontade de devorar todas as páginas no sentido literal da palavra “devorar” – só pra saber se causaria a mesma sensação de ansiedade de quando se está lendo-o. Eu queria falar sobre filosofia, mas parece algo tão perigoso de se falar – e tão pessoal -, que eu vou deixando anotado os trechos rabiscados no meu caderno.

Eu queria falar sobre crianças. Dizer que tenho a solução pro sofrimento daquelas que vivem na violência, na fome, na ignorância, na doença, na negligência, no desamparo. Mas acho que não tenho – até sonho com algumas possíveis alternativas, mas precisaria que os caras que deveriam estar pensando nisso também, me ajudassem a realizá-lo.

Eu queria falar de amor. Mas aí eu percebi que, sobre isso, o certo é parar de falar e começar a fazer, então eu já não quero mais falar de amor.

Eu queria falar de música boa. Mas aí eu percebi que “música boa” é um tema muito complexo e infinito pra se discutir, já que vai acabar num “o que é bom pra você, pode não ser bom pros outros” e cada um vai colocar o seu fone de ouvido e continuar indo pra onde ia.

Eu queria falar dos livros que li. Mas quando comecei a escrever, descobri que não sei fazer uma porcaria de uma resenha – poxa, como isso me deixou frustrada! 

Eu queria falar sobre as coisas que gosto de fazer. Mas não teria graça, por que, de que adiantaria contar aqui se eu continuaria fazendo-as ‘sozinha’ e, provavelmente, isso não mudaria a vida de ninguém? Por exemplo, eu gosto de deitar na grama depois de caminhar. Ok. E aí?!

Eu queria falar sobre como fico INDIGNADA com os erros de português das pessoas. Gente, como alguém sobrevive a 8 anos de ensino fundamental e 3 anos de ensino médio sem aprender palavras básicas? É muito assustador isso. Sem falar na pronúncia. Não pelo “caipirês”, mas, como é que digo sem ser ofensiva ou preconceituosa?! Tipo aquelas pessoas que ouvem funk ou um “rap-baixo-augusta” (acabei de dar essa nomeação porque sei que o rap, ao contrário do dito cujo do funk brasileiro, traz bastante informação, além de ser um grito de protesto de algumas classes sociais): essas pessoas falam só metade das palavras, é quase impossível entender uma frase, que seja, que tenham dito. É mais ou menos assim:

“É que nói tá tu co rai de polici poque só dá batida em neguin com bermu de flo.”

Cara! Como me dá nos nervos o ser humano que chega pra “conversar” comigo e fala desse jeito.

Eu queria falar de como eu devo ser uma pessoa solitária por passar o dia escrevendo frases de 140 caracteres ou menos que, simplesmente e absolutamente, não alteraria em nada o equilíbrio do universo se não fossem escritas. Mas não é solidão, é outra coisa que eu ainda tô descobrindo como devo chamar.

Agora, depois de meia hora, eu queria falar que já me sinto muito mais leve por ter escrito sobre o que eu queria falar. 

Pronto. Falei.

 

Capítulo 13.

“Não. Nada de jogos. Ele a desejava e não dava a mínima se alguém percebesse. Ele a desejava, definitiva e absolutamente, queria estar ao lado dela, adorava-a e tinha tantas coisas que queria fazer com ela que não haveria nomes suficientes para todas. […] Os olhos dela, o cabelo, a voz, tudo…”

 

Coleção “O Guia do Mochileiro das Galáxias – Até mais, e obrigado pelos peixes!”, Douglas Adams; volume quatro da trilogia de cinco; 1984.

Até mais, e obrigado pelos peixes!

[Prólogo]

 

“Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.

Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande ideia.

Este planeta tem – ou melhor, tinha – o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.

E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.

Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima ideia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.

E, então, numa quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma.

Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota e a ideia perdeu-se para todo o sempre.

Esta é a história dessa garota.”

 

Coleção “O Guia do Mochileiro das Galáxias – Até mais, e obrigado pelos peixes!”, Douglas Adams; volume quatro da trilogia de cinco; 1984.