Então, o que há aqui, é amor.

“Não há na verdade conflito entre a fidelidade ao que foi dito antes e a fidelidade que se sente hoje, porque ser fiel é aplaudir o que foi dito antes na contramão do que se sente hoje. E penso que a fidelidade só é tema importante e só é valor relevante quando justamente as inclinações afetivas do presente desmentem os discursos do passado. Porque quando tudo continua como sempre foi, e a orquestra sinfônica segue tocando pelo mesmo cônjuge, não há que falar em fidelidade. O que há é amor. Amor que permanece. Amor que continua. A fidelidade é uma espécie de sucedâneo do amor.

Já que o amor não existe mais, faça como se amasse. Seja fiel.

– Clóvis de Barros Filho, Somos todos canalhas.

Capítulo 09.

***

“- Eu perguntei em que poderia ajudar – disse ela, com uma voz fina e áspera que ele mal conseguia ouvir.

– É… eu vim pedir o seu conselho – respondeu ele, sentindo-se um pouco ridículo.

[…]

Após uma ou duas horas de silêncio não-comunicativo, a senhora decidiu que os painéis solares já haviam absorvido luz o suficiente para fazer funcionar a máquina de fotocópias e desapareceu caverna adentro para procurar alguma coisa. Finalmente, reapareceu com algumas remas de papel e as inseriu na máquina.

Entregou as cópias para Arthur.

– Estes são, ah, estes são seus conselhos? – perguntou Arthur, folheando as páginas, indeciso.

– Não – respondeu ela. – Essa é a história da minha vida. Sabe, a qualidade de qualquer conselho que uma pessoa pode dar deve ser avaliada de acordo com a qualidade da vida que essa pessoa levou. Ao examinar este documento, você vai notar que eu sublinhei todas as principais decisões que precisei tomar, para destacá-las. Estão em ordem alfabética e tem um índice remissivo. Entendeu? Então, sugiro apenas que você tome decisões contrárias às que tomei, porque assim você talvez não termine sua vida… – ela fez uma pausa e encheu os pulmões para um bom grito – em uma caverna velha e fedorenta como esta!”

Coleção “O Guia do Mochileiro das Galáxias – Praticamente Inofensiva”, Douglas Adams. Volume cinco da trilogia de cinco.

“A razão pode pouco contra a banalidade da violência irracional.” – Franz Kafka

Sinto vontade de pessoas que frequentemente apareçam no meu dia pra me acrescentar algo.

Não entendo aqueles que conseguem simplesmente “existir”, sem propósito real pra algo, sem acreditar excepcionalmente na ‘verdade’¹.

Como é possível que alguém se dê ao trabalho de abrir a boca para vomitar estupidez? O que leva alguém à estupidez?

É alguma necessidade que eu desconheço? É genético? São as companhias? Idade mental? O quê?

Você já leu aquele tipo de livro que te faz parar pra pensar no que as mentes humanas se tornaram ou sobre a “evolução retrógrada” delas? São constatações filosóficas, baseadas em experiências pessoais e de observação exterior, que se transformaram em grandes obras-primas.

Pensar nunca fez mal a ninguém – as atitudes tomadas sem pensar, ao contrário, já destruíram muita coisa.

O ser humano fala sobre aquilo que desconhece e defende sua imbecilidade com unhas e dentes. Argumenta sem considerar fatos e circunstâncias, sem se colocar no lugar do outro ou, no mínimo, calcular, com certa razoabilidade, prováveis consequências de uma determinada ação.

O ser humano que pouco reflete sobre coisas fundamentais à boa convivência coletiva (gente que você não gosta, gente que você gosta, gente que você não conhece, mas que está ali…), é o mesmo ser humano que lança teorias do tipo “a vida é minha, faço o que quiser!” ou “tenho pena da sua inveja” para quaisquer palavras que sejam ditas e que contrariem suas “ideias”².

 (*)

A minha mente me deixa em total desequilíbrio. Há uma parte em mim que diz pra eu, simplesmente, viver, pra aceitar o mundo como ele é; a outra parte me quer constantemente buscando o sentido de tudo, buscando a verdade que rege – ou deveria reger –  as relações humanas – e da natureza.

É reduzir tudo à real utilidade das ações, à necessidade. “É tentar interpretar cada noção identificando as suas respectivas consequências práticas”. É viver um pragmatismo que a sociedade contemporânea não estimula.

O mundo perdeu o sentido há muito tempo e, cada vez mais, as barbáries tomam conta de tudo e de todos. A violência, por exemplo, se tornou tão comum que ninguém está a salvo; ela vem de onde menos esperamos, de quem nunca imaginamos e por nenhuma razão.

Eu acho que tô ficando velha! Quero coisas que a minha geração não quer ou, pior ainda, nem sabe o que é.

A confusão me deprime em alguns momentos da vida, me tira o sono, me dá fome, me dá sede. A confusão, pra se transformar em algo concreto dentro de mim, pra se desfazer, exige cem por cento do que sou, e eu, confusa que estou, não consigo deixar que apenas uma parte de mim viva.

Não quero viver para o mundo e pelo mundo, quero por mim. Para mim.

Fazer o que acredito, mas sabendo dos meus limites, das consequências, do respeito que eu devo a qualquer um.

Assim como no livro “O Lobo da Estepe” (Hermann Hesse), eu ainda espero encontrar o ‘teatro mágico! Só para loucos’ que vai me levar pra depois dos 50 anos de idade…

 (*)

¹ VERDADE. “Usos mais antigos abarcavam o sentido de fidelidade, constância ou sinceridade em atos, palavras e caráter. Assim, “a verdade” pode significar o que é real ou possivelmente real dentro de um sistema de valores. […] Para Aristóteles, é a adequação entre aquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente.”

² Coloquei entre aspas a palavra IDEIA porque, para Platão, “a ideia que fazemos de uma coisa provém do princípio geral, do mundo inteligível, que constitui a Ideia Universal, categoria que está na base da sua filosofia, o idealismo. Assim, a ideia da coisa é uma PROJEÇÃO do SABER” e, entre outras coisas, é também CONTEÚDO DE PENSAMENTO.

(*)

“O bom da vida é que não existe mais nada a perder quando se aceitou enfim que ela acabará por chegar ao fim, cedo ou tarde. Escuridão, nascimento, comer, foder, lutar, fade out. Enquanto não encontrarmos nisso nada que seja assim tão ruim, não haverá nada a temer. O maior dom do ser humano é sua capacidade para o suicídio, para a liberdade de buscar voluntariamente a morte. Liberdade pela morte. Se algo não nos serve, podemos muito bem ir. Onde é que estaria o problema?” – (A menina sem qualidades, Juli Zeh).

Letícia Barboza.

Citação

“A vida é um movimento permanente sobre uma linha…

Ada: “A vida é um movimento permanente sobre uma linha. Enquanto a gente acredita que se trata de um risco pintado entre duas pistas, caminhamos calmos e seguros. Assim que reconhecemos que se trata de uma crista de montanha que conduz por sobre um abismo sem fim, começamos a cambalear e estamos em perigo de vida.”

(…)

Professor Höfi: “Duas pessoas que, cada uma sobre sua linha, correm de mãos dadas pela vida afora, formam, juntas, um quadrúpede, e não cairão, mesmo que saibam do abismo a seus pés. Esta é minha resposta a teu problema.”

A menina sem qualidades, de Juli Zeh