Uma reflexão problemática que eu desenvolvi sobre a redução da maioridade penal (como não sou especialista em nada, algumas questões técnicas podem estar em desacordo com a real aplicabilidade):
Você leva seu filho de 16 anos completos e um amigo dele de 15 anos e 10 meses pra assistirem a um jogo de futebol no Maracanã. Em meio à euforia da torcida, seu filho e o amigo são flagrados por uma câmera de TV de âmbito nacional pronunciando palavras de cunho racista a um determinado jogador. A repercussão é inevitável.
Ambos acabaram de cometer o crime de injúria qualificada (art. 140, §3º, do Código Penal: se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de 1 a 3 anos e multa).
Com a divulgação do ato racista na mídia, os garotos serão punidos popularmente e judicialmente.
Seu filho, com 16 anos, após julgamento é condenado ao pagamento de multa e, hipoteticamente, a 2 anos de reclusão em regime aberto (tendo de frequentar albergues de preso).
O amigo, por ser menor, terá a pena de reclusão revertida em restritiva de direitos (na prática, é a prestação de serviços comunitários por 8 horas semanais – conforme caso ocorrido no Paraná em 2011).
Se houver vaga em albergue, o rapaz de 16 anos deverá se apresentar lá toda noite; se não houver, poderá ser colocado em prisão domiciliar (“poderá ausentar-se de sua residência apenas para desenvolver atividade laborativa, estudo, tratamento médico seu e de seus filhos, devendo nela permanecer nos horários e dias de folga; (…) deverá se apresentar trimestralmente ao juízo da execução, durante o período do benefício, informando suas atividades laborativas, estudantis ou tratamento médico”).
Seu filho, que sempre foi exemplar, tirava notas regulares na escola, passava o dia em casa jogando online e não fazia mal a ninguém, acaba de ter a vida condicionada à um determinado comportamento imposto a ele.
Você, indignado com a situação, se questiona com as punições diversas dadas aos dois jovens: “mas eles têm praticamente a mesma idade! Esse menor se aproveitou da posição que está pra cometer esse crime! No Brasil não tem justiça! Os verdadeiros criminosos estão soltos!” e por aí vai.
Ponto 1 da reflexão que eu faço: não existem só os crimes de roubo e homicídio;
Ponto 2: reduzir a maioridade penal não impediu seu filho de cometer um crime, mas o incluiu no rol dos que fazem parte de um Sistema Judiciário e Prisional quase falido;
Ponto 3: o menor também foi responsabilizado;
Ponto 4: ambas as penas têm o objetivo de mostrar que o cometimento de um crime está condicionado à uma consequência;
Ponto 5: eu nem mencionei aqui a lentidão do sistema, o acúmulo de processos e o tempo que o seu filho ficaria preso por prática de racismo, que é crime inafiançável, até que ele fosse devidamente julgado no crime de injúria qualificada.
Ponto 6: você ou sua família, não necessariamente, serão sempre as vítimas, mas podem estar do outro lado (o lado que não funciona);
Ponto 7: você vai precisar de um advogado.
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O problema não é responder por seus atos pelo Código Penal, mas a falta de estrutura deste pra atender à nova demanda, por isso aposto na reforma do ECA. Eu compactuo da perspectiva de que um(a) garoto(a) de até mesmo 14 anos já tem discernimento suficiente pra saber o que é certo e errado e eles têm SIM que responder pela prática de crimes. Mas não vejo a redução da maioridade como solução pro cenário de violência. Um adolescente preso numa cadeia por 4 anos, sairá da mesma maneira que um adulto de 30 anos que permaneceu os mesmos 4 anos (ou pior, a depender do que vivenciou lá dentro). O resultado? Reincidência. E aí? O que vamos fazer depois? Continuarmos com o “medo da morte violenta” – como sugere Thomas Hobbes – e nos aprisionarmos em nossas casas porque o Estado não foi capaz de, primeiramente, construir um indivíduo e, depois, de não tentar ressocializá-lo?
Repito, não se trata de não puni-los, mas sim de redirecionar esse trabalho a juizados diferentes do que a Justiça Comum (que já tem trabalho inacabado demais pra arrumar mais serviço).
Letícia Barboza, 21 anos.
Estudante do Curso de Graduação em Direito da UNIFEOB/São João da Boa Vista-SP